sexta-feira, 9 de abril de 2010

O "Causo" da Solução de Polímeros

Caros amigos,

Estive um pouco ausente do blog desde que cheguei de SP devido a trabalhos acumulados, coisas novas que tive que implementar, enfim... daquela imensidão de coisas que sempre se acumulam na nossa ausência. Na volta tem-se que por a casa... Não... a casa está em ordem!!! Mas a oficina...

Como nesses últimos dias passei por uma experiência com uma nova substância usada pra têmpera resolvi contar aqui pra que outros possam se beneficiar, ou não, do acontecido.

Lendo os posts do Fórum onde boa parte dos integrantes da SBC postam tive conhecimento de um novo material usado como meio refrigerante para têmpera. Trata-se de uma suspensão de polímeros que, quando aquecidos a mais de 75 graus celsius, aderem ao material aquecido criando um "envelope". Este envelopamento faz com que a transferência de calor seja gradual possibilitando a têmpera do metal. As vantagens dele sobre o óleo são que não faz fumaça, não pega fogo e a peça sai bem mais limpa do que normalmente ocorre no óleo. (hidráulico no meu caso). Como também fiquei sabendo que outros cuteleiros bem mais sabidos que eu já estavam usando esse meio refrigerante, resolvi testar. Some-se a isso que minha oficina é "colada" na casa (garagem) e a ocasional fumaça da têmpera incomodava  bastante... Se o material não produzisse fumaça já valeria à pena...

Um amigo de SP, O Emilcio, me enviou uma quantidade suficiente pra encher o meu recipiente de têmpera (uma velha pia de ferro fundido) e fiz a diluição (pois o produto é uma suspensão oleosa cor de guarana e tem que ser diluído em água) recomendada. Os primeiros testes foram com peças de 1095 pequenas e gostei bastante. A peça saiu limpa do meio com linha de têmpera bem visível mesmo antes de ser limpa...

Passada uma semana, continuei trabalhando...
Após terminar uma grande faca integral full tang que foi toda texturizada á mão chegou a hora da têmpera que seria feita na forja... Feitos todos os procedimentos usuais. Poucos segundos depois que faca foi colocada na suspensão de polímeros ouvi um "Crack"... Já tive um mal pressentimento... Ao olhar a peça... Tinha uma trinca... Não!!! Uma rachadura... Bem... sabem como é.... Depois dos palavrões de praxe (que ninguém é de ferro!!!) me acalmei e passei a analisar o ocorrido.... Deduzi ter sido "erro do operador" e passei adiante. Coisas da Cutelaria. Um outro amigo me disse: "Cuteleiro é bicho que sofre sozinho!!! Ninguém vê os apertos que a gente passa na oficina pra produzir um bela faca!!!". E ele tem toda razão...

Mais dois dias e finalizei 6 peças que estavam em ponto de têmpera... Facas de 1095, Uma bowie integral full tang COM GUARDA de 5160 (foto) A tang tinha sido reforjada pro formato final....

Mais duas peças de aço 1095, forjadas de lima e outras de 52100... Nas primeiras peças não houve problemas... Mas na hora da têmpera da bowie... RACHOU DO MESMO MODO QUE A OUTRA INTEGRAL!!! Pra minha infelicidade... Perdi um bom tempo de trabalho e uma peça difícil de recuperar pois teve a guarda caldeada... Se fosse só isso... Mas mais duas peças tbm tiveram problemas...
Em RESUMO: em 3 dias de trabalho perdi mais peça por trincamento que em dois anos... Aí fui buscar ajudar pra entender o problema... Com o Emilcio que entende muito de metalugia e matérias afins, o Ricardo Vilar que nem se fala e o Ferrari que sempre dá dicas muito boas.

Todas as facas que trincaram foram quebradas e verificou-se o grão. Este estava homogêneo não indicando sobreaquecimento... MAS POR QUE ALGUMAS FACAS TRINCARAM E OUTRAS NÃO???

Após receber várias orientações do Mestre e amigo Ricardo Vilar foram apontadas algumas possíveis causas...
 Dentre elas o uso da solução com densidade baixa... OU seja o óleo não estaria diluído na proporção correta.
Eu achei mais viável essa hipótese... E, contando com a prestimosa ajuda do Emilcio que me forneceu o material, foi acionado um pessoal técnico que usa este produto em larga escala... Resultado???

O FLUIDO USADO FOI DILUÍDO EM PROPORÇÃO INADEQUADA PRA TÊMPERA NA FAIXA DE CALOR USUAL DOS AÇOS PRA FACAS!!!! A baixa densidade fez com que a troca de calor fosse muito brusca causando a fratura do material.

E por que algumas peças trincaram e não todas???

PORQUE se vc aquecer um pouco menos a peça este calor será repassado ao líquido de forma menos brusca e não ocorrerão trincas... Ou seja, numa faixa um pouco mais baixa de temperatura, também o ocorre o processo... É bastante interessante... O conhecimento que um erro pode proporcionar!!!

Em laboratório de Metalurgia o Emilcio fez testes com corpos de prova de 52100 aquecidas em forno apropriado e ficou constatado que a solução IDEAL PARA AÇOS-CARBONO É ENTRE 40% E 50% NA MISTURA ÓLEO + ÁGUA...
Aí NÃO OCORREM PROBLEMAS como o da foto abaixo

Uma vez que o prejuízo já ocorrera restou a consciência tranquila pois EU não errei no processo de têmpera manual, além de todo o aprendizado que a experiência me deu... Então o jeito foi voltar pra bigorna e fazer peças novas... Com esperança de produzir coisas melhores. Nada como um bom dia de trabalho forjando pra espantar o azar... Eis o resultado. Todas são facas de 52100:


Quero agradecer aos amigos Ricardo Vilar, Emilcio e Francisco Ferrari que me ajudaram a entender o problema e a aprender com os meus erros.

Agradeço, também, aos Amigos pela paciência e por terem lido este post.

Espero que ajude em alguma coisa!

Um abraço a todos.

3 comentários:

  1. É Serapa isso ae! Errar sim desistir jamais!!!

    Law.

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  2. Caro Serapião.
    Que você é um dos maiores cuteleiros do Brasil, isso não é segredo pra ninguem. Agora, essas aulas que você dá mostrando seus métodos são diamantes pros admiradores de lâminas.
    Espero que Deus te dê mãos firmes por muito tempo pra continuar fabricando estas jóias da cutelaria, e generosidade pra nos brindar com informações e textos como este que, pra mim, são como batata frita, quando se começa digerir não dá vontade de parar.

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