Do dia 26 a 31Jan tive o prazer de receber o Amigo Ian Vinhas, pela 2a vez, em minha oficina. O Ian é de Salvador e, no ano passado, fez um workshop comigo sobre forjamento. De lá pra cá, a amizade entre nós só se fortaleceu, principalmente, devido à grande afinidade que une todos aqueles que gostam de cutelaria. Em resumo: O Ian é de casa!!!!
Ian Vinhas e Serapião - Garanhuns 30Jan2011 |
Apesar de não poder aproveitar a companhia do meu querido amigo Roberto Lisboa e demais colegas. Fomos felizes pois o Ian pode chegar na 4a. feira a Garanhuns. Apesar da minha atividade ser de "meio-período", os dias a mais disponíveis serviriam pra um novo "Estágio" dele e, possivelmente, pra construirmos algumas facas de maneira didática. A finalidade desses períodos é mostrar algumas técnicas mais "avançadas" ou, simplesmente, tirar dúvidas sobre os processos empregados na construção de facas e demais peças de cutelaria. É preferível que, pra essa etapa, o visitante já tenha algumas boas noções. Nesse caso, o Ian, além de já ter passado por um "workshop" já deu uns bons passos cuteleiros na sua oficina em Salvador. Por isso foi possível fazer uma "varredura/revisão" em todos os pontos. Desde forjamento até a construção de uma peça completa... (incluindo o tratamento pra revelar aço-damasco).
1) Forjamento:
Mesmo sem a participação dos demais colegas... Vez por outra toda oficina de cuteleiro recebe visitas...
Desta feita (na quinta-feira) e, ao mesmo tempo, enquanto trabalhávamos recebemos o Sr. Sebastião Amaral, seu filho e o meu amigo/primo Normando Barbosa (que tava pela casa com a minha filha no colo e não saiu na foto!!!) A jovem na foto é a Akemi, namorada do Ian que veio com ele.
A oficia é pequena... mas como dizemos aki: "A gente se ajeita"...
As visitas, que nunca viram uma peça sendo forjada, estavam curiosas... E, como estas tem a precedência sempre... O Ian recebeu a incubência de demonstrar o como se forja uma faca, modernamente falando:
A conversa, as visitas e o LANCHE foram muito bons... Mas não se pode perder tempo... E continuamos trabalhando:
Eu, que não sou bobo nem nada, tbm tratei de aproveitar o tempo e, também a pedido, mostrar o forjamento de uma faca que muito me agrada... Uma "pexeira" full tang (igual à "lambedeira" que postei aki a um tempo atrás)... Há outras fotos do autor forjando... Mas ficaram na máquina da Akemi. Posteriormente ponho aki a título de curiosidade...
Ao final do dia tinhamos forjado essas peças, todas de 5160 - Uma integral full tang, e duas hunters sendo uma hiden e outra full tang.
Como já disse antes, a idéia é trabalhar e, como dizia minha querida mãe: "Só se aprende a fazer, fazendo"
Então ao forjamento sucederam-se as demais etapas:
2) DESBASTE:
Visando economizar lixa a lâmina é esmerilhada antes pois a carepa é um óxido metálico muito duro. Usinar diretamente na lixadeira é um gasto desnecessário. A esmerilhadeira elétrica resolve bem esta parte
Depois da Esmirilhadeira vem a usinagem na Lixadeira... Infelizmente não fiz fotos dessa etapa. Ainda me atrapalho pra trabalhar e fotografar ao mesmo tempo... Me desculpem.
No ano passado, dentre as facas que foram forjadas no "Work Shop" estava uma Bowie. Tanto o Ian quanto eu estávamos firmes no propósito de terminar esta peça... Escolhemos um pedaço de chifre de cervo colorado, e dois pedaços de inox que seriam, respectivamente, guarda e pomo:
3) TRATAMENTO TÉRMICO:
Após a usinagem da peça, trabalhos com lima, acertar a transição do ricaço com a lâmina, fazer o "ombro" da faca e TIRAR TODOS OS RISCOS com lixa manual até 220... É A HORA DE FAZER A TÊMPERA.
Embora eu tenha forno de têmpera, praticamente 90% dos processos de têmpera que faço são na "boca" da forja. Pras facas de carbono só uso a têmpera seletiva. O meio refrigerante tanto pode ser o óleo hidráulico quanto a famosa "solução de polímeros" (vide o "causo do óleo de polímeros" neste mesmo blogue), agora, está funcionando muito bem, obrigada.
Ian "temperando" uma lâmina de aço damasco que trouxe pra construirmos uma faca |
Lâmina da Bowie logo após a têmpera em óleo hidráulico |
As lâminas grandes (mais de 8") requerem, na minha opinião, mais alguns cuidados e certa prática que as menores. Estas (as menores) podem ser aquecidas quase por inteiro com a "chama" que sai da forja. Fica mais fácil visualizar o aumento da temperatura gradualmente, até o ponto certo de resfriamento. Com lâminas maiores é preciso ter um pouco de atenção pra aquecer, primeiramente, a parte do gavião, pois nessa região o ricaço "rouba" calor rapidamente e, quando esta parte da faca estiver aquecida passar a colocar toda a faca no interior da forja, lembrando que a ponta SEMPRE aquecerá mais rapidamente que o restante da lâmina.... na hora certa, mergulha-se toda a faca no óleo.... Se o processo for feito corretamente a linha de têmpera já será visível na peça logo após tirá-la do óleo. Lava-se a peça, retirando todo o óleo e, em seguida, passa-se para o
3.b) REVENIMENTO:
O revenimento é uma etapa crucial do tratamento térmico. Embora algumas pessoas possam achar que esta etapa é dispensável. NÃO É!!! Este processo é responsável por reduzir a dureza da peça e aumentar sua tenacidade deixando-a mais flexível. Embora haja uma perda na dureza do fio, o ganho de tenacidade torna a faca "usável" e segura. De nada adianta uma faca "hiper-dura" que poderá quebrar ao cair no chão, será muito díficil de afiar e, ainda por cima, poderá quebrar quando mais precisamos dela... em uso!!!!
Usualmente, faço 2 ciclos de revenimento de 1 h a 240 graus no forno de têmpera para o aço 5160 POIS CADA AÇO TEM SUAS PECULIARIDADES e é de suma importância conhecer as características do material com que trabalhamos. Terminado essa etapa é hora de prosseguir com o acabamento da lâmina...
Essa bowie foi lixada à mão até a lixa 600. Após isso segue-se à:
4)MONTAGEM:
A esta altura, além das demais coisas que fazíamos, A guarda de inox já estava pronta (com o rasgo pra encaixe da espiga aberto e no formato, praticamente, final). A peça de chifre já fora perfurada de lado a lado:
O cervo Colorado é bastante apreciado pra cabos de facas. Esta peça possui uma textura e curvatura natural que irá propiciar uma ótima empunhadura. Um Mestre me disse uma vez que se vc não tiver uma boa peça de chifre pra um cabo é melhor usar uma bela madeira. O segredo pra um bom cabo de chifre numa faca é escolher bem. Nesse caso, o diâmetro do chifre tinha, exatamente, a mesma medida do ricaço da faca.... Juntou-se a fome com a vontade de comer...
Uma etapa que o Ian tinha a curiosidade de ver era a fixação de um pomo. Isso foi feito com solda prata, maçarico de Oxi/Glp e uma peça chamada extensor de rosca que o próprio Ian havia me enviado uns meses antes de Salvador:
Base de inox (pomo) com extensor de rosca soldado com Solda Prata |
Embora possa parecer que tudo trancorreu rapidamente... NÃO FOI ASSIM.... Começamos na quarta-feira (tarde e noite) seguindo até o domingo.
Durante este período várias outras coisas foram feitas e vistas... Desenhos de cabos, lâminas, materias diferentes, fixação de cabos, construção de guardas, usinagem de madeira:
Tínhamos que parar de quando em quando em quando pra dar uma arrumada pois o espaço é pequeno:
Além do fato de que, enquanto uma lâmina estava no forno, outras coisas eram feitas:
Hunter de Damasco fixando o cabo |
Na qual utilizamos aço 52100 laminado com pouco mais de 3 mm que me foi fornecido pelo amigo Emilcio de Campinas. A faca foi construída como as pexeiras onde parte da tang é inserida no cabo e pinado. Pra essa classe de faca é bastante satisfatório. O jacarandá, quem diria, é da Bahia mesmo... E a bainha de couro bovino.
Ao final desse processo (no domingo) tinhamos a mesa com uma produção bastante boa com peças em diferentes estágios de manufatura
O GRANDE FINAL:
Bem... nesse momento vou mostrar-lhe a peça que, de fato, nos deixou orgulhosos de tê-la conseguido terminar:
E como não poderia deixar de ser... a foto do orgulhoso proprietário/criador/aluno com a sua faca "nascida e criada em Garanhuns"
Espero que tenham gostado deste post.
Um abraço a todos e Voltem Sempre.