segunda-feira, 14 de março de 2011

Facas "Brut de forge" e outras peças do Carnaval do Serapião

Caros amigos,

Somente agora, depois do Carnaval, tive condições de voltar a escrever e dividir minhas idéias com vocês...
Desta feita venho mostrar-lhes alguns trabalhos que foram "finalizados" durante o período de Carnaval... Não participo da cultura momesca que, por um lado dissemina uma alegria saldável, mas por outro causa euforia geral e excessos de todas as ordens. Quando me é possível, prefiro ir a uma praia com a família onde possa mergulhar com meus filhos e desfrutar todas as coisas que um ambiente assim propicia... Enfim... Não foi esse o caso do último carnaval.

Como sempre, estou atrasado nos trabalhos e pretendia dar uma acelerada na produção. Mesmo driblando a boa e velha "escala extra" do Carnaval, tão conhecida de todos os militares e policiais do Brasil, tentando, fazer coisas "novas" sob alguns aspectos. Normalmente tenho diversos projetos em andamento ao mesmo tempo que vão sendo finalizados segundo uma série de "fatores subjetivos". É bem verdade, e só quem é cuteleiro entende, que há poucas atividades artesanais onde a margem de erros seja tão alta, quanto a cutelaria... "cuteleiro é bicho que sofre sozinho"... Ao ver uma faca pronta pouca gente pode imaginar o trabalho empreendido... Mas essa é a minha arte e eu tenho tentado fazer cada vez melhor. Pelo menos o melhor que posso para o momento.


Então, pelo título, vocês podem imaginar que os trabalhos do Carnaval/2011 recairam sobre as "brut di forge". Mas, afinal, o que danado é isso????

Chamamos peças "brut di forge" àquelas onde de manteve o aspecto original que se tem do aço recém-saído da forja. Ao ser forjado o aço passa a exibir um aspecto visual cinza/escuro que é a cor da famosa "carepa" que retiramos na usinagem realizada nas lâminas. Essa "carepa" é, na verdade um óxido métálico bem duro. Por isso muitos cuteleiros, inclusive eu, removem este camada com a esmerilhadeira antes de passar à lixadeira propriamente dita. É uma questão prática e econômica... Pois as cintas de lixa são mais caras que os discos da esmerilhadeira... Simples assim....

Ao forjar uma peça que deverá resultar num aspecto "brut di forge" o forjador deverá ter alguns cuidados...


O primeiro é forjar cuidadadosamente pois a peça deverá terminar com o formato, alimento e espessura do gume muito próximas do formato final.

A segunda é visualizar na peça como deverá ser o "aspecto" desejado a trabalhar o aço pra chegar no resultado pretendido.


Particularmente, eu prefiro forjar toda a peça e, posteriormente, "texturizá-la" de alguma maneira. Dá mais trabalho mas o aspecto visual compensa. Na faca acima, usei um pequeno e leve martelo bola. Toda a lâmina é trabalhada quando está ainda em temperatura de forjamento...

Obviamente, apesar do aspecto "brut", todas as etapas de recozimento, normalização, têmpera e revenimento são feitas de modo análogo a das facas polidas... Caso contrário não se terá uma lâmina de boa qualidade.



Também são consideradas facas "brut di forge" as peças obtidas de ferramentas como limas e grosas. Gosto da idéia pois a reciclagem é sempre interessante, tanto visual como filoficamente.

Durante os dias de Carnaval/2011 executei algumas peças nesse estilo peculiar que, agrada a uns e desagrada a outros. Como não tenho nenhum dogma cuteleiro acalento a idéia de conseguir fazer, da melhor maneira possível, qualquer estilo de peça...

Uma das carnavalescas foi essa Camp Knife Integral, estilo Kukri, forjada de uma barra redonda de aço 5160 c/ 1". Foi uma experiência interessante pois a proposta era fazer a faca com um mínimo de usinagem.
Usei, pro cabo, o formato das espadas Kópis que muito me agrada . Contudo foi necessário usar um bloco extremamente largo pra dar esse recorte "curvo". O amigo Beto Braga me fornecera blocos adequados de Gonçalo Alves que permitiram o trabalho, felizmente.

O produto foi uma faca rústica, grosseira até se comparada ao que eu geralmente faço, mas funcional com 14" de lâmina não é uma peça de "exposição" mas como ferramenta deve servir bem. Esse aspecto foi obtido usando uma pequeno martelo pena com que bati "de quina" em toda a extensão da lâmina.

Por ser uma faca "big" pensei numa bainha que possibilitasse a saída com mais facilidade pois demora pra sacar um lâmina desse tamanho... Então fiz uma "saque-rápido" onde 1/3 do dorso é costurado. o "V" restante torna mais fácil sacar essa camp. O conceito não é novo, tampouco meu, mas funcionou.

A Segunda peça "brut" foi uma pequena "skinner", tbm integral, de O1 (VND), de 5". Aprecio skinners integrais pela sua leveza, robustez e objetividade. Elas resolvem!. Nessa procurei dar alguma beleza (sóbria contudo) com ébano do gabão ("preto que só asa de graúna") com pino mosaico e passador de inox. Foi adicionado, ainda, um filework enviesado pra melhorar o apoio do polegar. A peça foi oxidada a frio pra complementar o visual "black".

Como disse antes, tenho uma queda por reciclagem. Faço rotineiramente, um modelo de skinner de lima que, felizmente, parece agradar bastante.
Nessa usei uma lima "diamond cut" da K&F que tem a textura mais "fina". A lâmina tem 4", com têmpera seletiva e oxidação à frio. O Cabo é de chifre de cervo Colorado com espaçador e pomo de inox encimados por papel vulcanizado vermelho. A aparência envelhecida da peça foi obtida com banho de permaganato de potássio.

E, por último, mas não menos importante, concluí uma boa e velha "lambedeira" forjada de 5160 c/ 9" de lâmina. Cabo de Jacarandá, pinos de inox com contra-fio afiado e oxidação com percloreto. As talas do cabo são de um jacarandá extremamente bonito como poucos que vi.

Esse tipo de faca tem um grande apelo regional pois é um "aprimoramento" das nossas pexeiras e o formato muito bom, sobretudo, pras atividades culinárias.

Bem, meus caros amigos, este foi o resultado do trabalho do carnaval. Infelizmente não consegui fazer tudo que desejava mas logo postarei mais novidades aqui. Espero que tenham gostado e Obrigado pela paciência de lerem o que eu, modestamente, escrevo.

Um abraço a todos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Integral Full tang by Serapião - Alguma ajuda com a pinagem da Tang!!!!

Amigos,

Terminei recentemente uma nova faca integral. Desta feita uma "integral full tang". Como já demonstrei o que seria uma "faca integral" no post anterior... Vou me furtar a maiores explicações. A diferença mais marcante entre a integral full tang e a hiden tang (espiga oculta) é que na 1a o formato do cabo é definido no forjamento e seu perfil é composto pela silhueta do aço recoberto por talas. Acredito que as integrais full tang são as peças de aço carbono que mais habilidade quererem do forjador para serem levadas a termo com sucesso.

A "dificuldade" neste tipo de trabalho é que, além do colarinho ter que ser preservado, a "espiga" ser conformada no forjamento ainda é imprescindível que todo o conjunto esteja bem alinhado. Só que já forjou este tipo de peça sabe da complexidade envolvida. Contudo, quando se consegue, resulta numa faca muito interessante que pode ser feita pra diversas configurações, desde camp knives, facas chef a pequenas skinners.

Um erro que, frequentemente se comete é na "pinagem" no caso das full tangs. Encontrar o local "correto" pode ser bem difícil. Uma pinagem mal-feita pode por a perder toda a elegância de um belo cabo, independentemente do material utilizado... Aqui vai uma maneira de "visulizar" as linhas do cabo e, assim, escolher com mais segurança os pontos de pinagem.
Observem:


Este é um graminho ao qual foi adaptado um ponta de vídea (daquelas usadas em tornearia). Como sabem a videa é extremamente dura e não perde sua dureza mesmo após ter sido aquecida a 1200 graus. Risca mesmo metal temperado. Então usaremos este "graminho" pra ajudar no trabalho.
Duas Facas Full tang de 5160 em Construção

Risque pra delimitar a área do cabo.

  
Com um pincel atômico preencha a área do cabo com tinta

Depois de pintada a área, use o graminho pra riscar a linha média da tang


Uma vez marcada a linha média, marque da mesma maneira usando a curva inferior do cabo. Vc verá duas curvas que se tocam em pontos de inflexão

Com estas linhas visíveis fica mais fácil escolher com segurança o local da pinagem

Garantindo a harmonia do cabo.

Esse método é válido tanto pra dois ou 3 pinos quanto pra quando se deseja executar um cabo cofin, por exemplo. Sem risco de tirar beleza e harmonia do cabo.


Ao final, a visualização ajuda, sobremaneira a encontrar os locais exatos pra "furação" da tang.


Este foi o métod que utilizei pra encontrar os pontos de pinagem na faca abaixo. Uma integral full tang de 52100 com maple estabilzado na tang e pinos de inox de 1/4"








Espero que estas modestas dicas ajudem quem, porventura, tiver alguma dificuldade na pinagem deste tipo de faca.

Obrigado por olharem e um abraço a todos.

Facas Integrais by Serapião - A "Integral Nordestina"

Caros Amigos,

 Quem acompanha a cutelaria brasileira e, com mais ênfase, a cutelaria custom deve saber que, fora do Brasil, o estilo das facas integrais brasileiras é conhecido como "brazilian style". Esssas peças foram notabilizadas a partir e principalemente do trabalho de Mestres como o Rodrigo Sfredo e Luciano Dorneles. Bem como, em seguida,  por outros grandes cuteleiros como Ricardo Vilar, Gustavo Vilar e Eduardo Berardo que também criaram peças singulares neste estilo, popularizando o conceito ao redor do Mundo.
Vejam Alguns exemplos:




Eventualmente alguém em me pergunta: "Mas o que é uma faca integral?"

Chamamos de faca integral uma faca forjada a partir de uma barra redonda (tarugo) de um diâmetro conhecido (mais usualmente usa-se 1") onde, com uma boa dose de habilidade, o forjador transforma a barra redonda em uma lâmina, "puxando" o gavião, delimitando o colarinho e conformando a espiga.
As imagens talvez ajudem a enteder melhor:

E, pra quem quiser saber em que, afinal, consiste o brazilian style????

Em resumo... os Mestres citados no topo deste post, tiveram a idéia de juntar o estilo de lâmina integral gaúcha com os cabos característicamente ergonômicos criados pelo Mestre Bill Moran Jr. (1925–2006).
Bill Moran

Na minha opinião Bill Moran foi o maior ícone da cutelaria do século XX. Dentre outras grandes contribuições à Moderna Cutelaria, Bill Moran foi o responsável direto pelo ressurgimento do "aço damasco", pelo seu desenvolvimento nos moldes atuais e por preconizar o seu uso em peças custom de excelente qualidade. Ele desenvolveu, ainda, facas com cabos ergonômicos, contrariando o que estava em moda na sua época. Ou seja, ele quebrou paradígmas, desenvolveu um estilo próprio de funcionalidade, beleza e ergonomia que ganhou adeptos e admiradores em todo o mundo e, até hoje, influencia cuteleiros neófitos como eu mesmo.
Quem desejar saber mais sobre Esse Grande Mestre pode encontrar informações aqui:
Bill Moran Jr.

MAS O QUE TUDO ISSO TEM A VER COM ESTE POST????

Bem...
Há algum tempo venho acalentanto a idéia de criar uma "Faca Integral Nordestina".
Em que pese todo o passar dos séculos da história brasileira, aqui no Nordeste a faca que preenche o imaginário popular é a boa e velha "Pexeira" conhecida de, praticamente, todo bom nordestino. Cantada em prosa, verso e de boca em boca a fama da pexeira cruzou o Brasil todo... A origem desta faca é controversa contudo, a hipótese que mais me agrada é a de que a sua ancestral direta seja a Faca Canária (conheça um pouco sobre essa faca aqui: Faca Canária



A minha expectativa era conseguir forjar com repetição, padrão e consistência uma Lâmina integral nos moldes da cutelaria custom, juntando um cabo ergonômico (à la Bill Moran) e que, ainda, tivesse a identificação visual imediata com as nossas pexeiras. O trabalho resultou nisso:





Uma faca integral de 9" forjada de uma barra redonda de 52100 de 7/8".Será um padrão que, quem estiver acompanhando o meu trabalho verá bastante daqui pra frente.
Este tipo de lâmina vai possibilitar uma grande gama de peças. Logo vou mostrar a vcs uma peça idêntica mas com cabo "emboá" caracteristicamente Nordestino. Obrigado pela paciência de lerem este post.

E um abraço a todos.

Um abraço a todos.