segunda-feira, 17 de junho de 2019

"EM CHAMAS"!!!! - Juntando o Aço Damasco com o Aço Inox!!!

Eis que me vejo, depois de tanto tempo, de volta a este humilde Blog! A vontade de escrever a mim regressou! É como aquela chamada do mar que alguns ouvem e não conseguem resistir. Do último texto (2016) pra cá muita coisa aconteceu... Dentre muitas, pude notar como a propagação de informações por canais de vídeo ganhou muitos expoentes. Praticamente, há canais sobre TUDO. O que é muito bom!!! Contudo, sou adepto da escrita. Pra mim, as palavras tem a de magia prender o leitor e deixar que, ele próprio, voe sob a direção da própria imaginação com suas próprias experiências e tire suas próprias conclusões. A escrita, em geral, é mais elegante e imponente e não casual ou instantânea como conteúdo de vídeo. Embora reconheça a importância didática dos vídeos, creio que a linguagem escrita propicia levar uma mensagem mais refletida e acurada. Sim. Eu prefiro escrever!!! Venha comigo!!!

Já havia escrito sobre esse assunto mas o tempo e a prática nos fazem refinar processos, descobrir novas técnicas e, aqui e ali, fazer algo inteiramente novo!!!

"EM CHAMAS"!!!
Sempre fui apreciador do aço inox como material para facas de qualidade. Qual é a grande vantagem? requer uma manutenção bem menor que o tradicional, e excelente, aço carbono. Desde jovem (mais jovem) eu pratico caça submarina. Então meu contato inicial com lâminas foi com as de aço inox... Acho que é desnecessário, a vc leitor, dizer que os aços inox adequados pra cutelaria são os passíveis de transformação por tratamento térmico. A famosa "têmpera", onde o aço é aquecido e resfriado bruscamente num meio apropriado. Esse processo brusco muda drasticamente a estrutura do material, tornando-o mais duro e quebradiço. Na têmpera a lâmina NASCE!!!


"Temperar" aço em meio idadequado pode levar
a uma "falha catastrófica". Cada material
requer um tipo específico de líquido pra resfriamento

Por que estou falando de aço inox, logo pra começar? Bem, como já disse lá em cima. Estou revisitando uma tema sobre o qual já escrevi. Nessse caso o SANMAI  de aços inox e carbono.
É sempre bom relembrar. SANMAI é um termo japonês que designa um "sanduíche" de aços de características diferentes e, em geral, usada pra confeccionar lâminas.


 Esta técnica possibilita uma infinidade de combinações e foi muito usada na confecção de armas. Principalmente, ESPADAS. Esta técnica pode ser vista muitas vezes em katanas. No Japão, o ferro era raro e os metalurgistas japoneses encontraram maneiras de aproveitar e refinar o ferro onde quer que fosse encontrado. No sanmai das katanas, geralmente, é usado um aço de melhor qualidade no núcleo, ladeado por duas camadas de aço mais macio. Vantagens? Em primeiro lugar, usar uma quantidade menor de aço de boa qualidade pra produzir uma espada. A 2a é que esta combinação permite ter um gume duro com grande retenção de fio ao mesmo tempo que camadas exteriores macias que deixam a arma mais tenazes e resistentes. Vale dizer que esta técnica não foi uma "invenção" japonesa. Há muitos registros de espadas, muito mais antigas que as katanas, onde foram utilizadas modo construtivo idêntico.
Existe uma infinidade de técnicas construtivas pra Katanas
Esta é a do "clássico" sanmai. O tema é vasto!!!


O leitor, atento e criativo, já deverá ter percebido os benefícios e gama de possibilidades que a confeção de SANMAI pode trazer pra cutelaria. Sem dúvida!!!
Pronto!!!! Já está empolgado pra tentar combinar Aço Inox com Aço Carbono e fazer uma bela lâmina??? Ótimo!!! "Onde há vontade, há um jeito!" Mas é preciso saber algumas coisas, ter algumas habilidades e equipamento. Vou tentar ajudar!!!!

Em primeiro lugar, vc precisa saber que o caldeamento de inox e carbono se dá de maneira diferente de quando, por exemplo, caldeamos carbono/carbono. O aço inox, ao ser aquecido, na presença de oxigênio, forma uma CAREPA que impossibilita o cadeamento seja com outro inox ou aço carbono. Portanto, o oxigênio tem que ser tirado do cenário. Como fazer isso sem morrer sufocado? Bom, uma maneira seria um para caldeamento em que se dispusesse de vácuo, temperatura controlada e meios mecânicos pra premir as peças e caldeá-las. A outra é, mais viável pra maioria de nós, SELAR o billet (sanduíche de materiais) com solda pelo topo de modo a VEDÁ-LO totalmente. ISTO É MUIO IMPORTANTE!!! Se esse processo de soldagem NÃO FOR BEM FEITO todo o trabalho será perdido. Uma pequena falha e será criado um ponto sem caldeamento que fará todo o billet, ou boa parte dele ABRIR. Diferente do damasco, não é possível recaldeá-lo. Como eu eu sei? Descobrindo da pior maneira possível, lógico!!! Não o material usado pra soldagem seja "especial" eu utilizo eletrodo revestido. Do mais comum, pra serralheiro. Soldagem é um assunto complexo e não sou especialista. Contudo uma máquina de soldagem moderna pode ajudar quem tem pouca habilidade. Não é o meu caso. Tenho pouca habilidade e minha máquina é "pé duro" mas pretendo adquirir uma inversora, serguindo orientações de amigos mais sabidos que eu.

Combinação de Inox 420 e Aço Carbono 1070


A Soldagem é parte CRUCIAL do SANMAI
INOX/CARBONO - Dedique muita atenção a esta ETAPA.
Uma vez feito o billet, é hora de caldear, propriamente dizendo, o material. Pra isso é preciso ter um meio de calor. No meu caso, uso a mesma forja com que comecei meus trabalhos. Usei um secador de cabelo pra introduzir ar dentro dela, como ótimos resultado. Hoje uso um soprador de ar pois, por ter mais potência, trabalha com mais folga e não é necessário usar altas velocidades. A quantidade de calor requerida é um pouco superior ao caldeamento de aço damasco. O inox é menos "plástico" que o carbono e é mais difícil comprimí-lo. Portanto, se pretende fazer isso, é bom que sua forja seja capaz de aquecer muito. SE já caldeou damasco com ela, dará conta do recado. É só aquecer um pouco mais... Eu sei, não é muito preciso mas quem já viu um caldemento já sabe a que me refiro.

Forja à Gás com introdução de ar via soprador.
O material isolante é manta refratária e tijolo refratário na base.
Há muitas "receitas" mas é um dispositivo simples.

Pra CALDEAR, mecanicamente falando, é necessário premir as peças umas contra as outras na temperatura correta e rapidamente. Pode ser possível fazer isso utilizando martelo manual. Nunca fiz e prevejo muita dificuldade. Talvez com billets pequenos seja viável. De toda forma os métodos mais utlizados são PRENSA HIDRÁULICA e MARTELE. Eu utilizo a mesma prensa há anos e já falei dela aqui. Fiz algumas "melhoras" no projeto o orginal mas o "coração", o sistema hidráulico, permanece o mesmo. Rápido e bem balanceado. As peças mostradas (inox e carbono) tinham 5 mm cada resultando um billet de 15 mm (bem espesso). Uma vez caldeado o material  poderá ser esticado pra um maior e conveniente aproveitamento. Saliento que, com o "boom" da cutelaria brasileira, surgiram vários fornecedores de máquinas e insumos pra essa arte. No tocante a prensa, posso dizer que as melhores em produção são a da T-Force e a da Hidrauk, cada qual com suas peculiaridades e detalhes construtivos. Ambas excelentes máquinas.

Boa e Velha Prensa - Antes de trocar um equipamento tem,
se certifique que já o dominou completamente. Eu ainda estou
aprendendo a dominar essa Senhora. Nosso relacionamento melhorou bastante...

Uma vez CALDEADA E ESTICADA a barra até o cumprimento e espessura desejadas, o procedimento é semelhante a confecção de facas por desbaste. O SHAPE da faca é cortado, moldado e já será possível ver as partes caldeadas da peça.
IMPORTANTE!!! Se conseguir detetar alguma "fresta" entre os aços, MUITO PROVAVELMENTE, houve falha no caldeamento. Neste ponto cabe a você decidir se irá a diante ou descartará. Sim!!! É uma escolha difícil. Dependendo do Shape, talvez seja possível reaproveitar em outro projeto (transformar uma bowie numa hunter, por exemplo). Infelizmente, TODAS AS VEZES que isto aconteceu comigo, resultou falha catastrofica. Meu Conselho? Se detectar alguma falha, faça cortes de fatias na barra, até encontrar área onde esteja tudo homogêneo. Isso não significa que não haja outras áreas não caldeadas em outro ponto mas impedirá que vc perca horas de material e trabalho à toa.

Peças Caldeadas, já no Shape e aguardando oss próximo passos
SE, caro leito, chegou até aqui é sinal que esse assunto árido lhe interessa e que você faz parte de um seleto grupo de pessoas muito especiais ou está para ingressar nesse círculo, o de que quem aprecia boas lâminas. Um aviso. É um caminho sem volta. Mas seja bem vindo e continuemos. Estou tentando tornar o assunto leve e o mais didático possível. Enfocando pontos que julgo importantes pra ajudá-lo na sua criação se desejar fazê-la.

Digamos que vc tenha feito todos os processos descritos acima e tenha dado tudo certo... O que se deve esperar de um SANMAI DE INOX/CARBONO "temperáveis"???
Somente o SANMAI de inox/carbono martensíticos produzem essas "linhas de transição"
O indicador principal de que tudo deu certo nessa trabalheira é a obtenção, após todos os processos térmicos, dessas "linhas de transição" na área de caldeamento onde se pode ver a "interpenetração" do material com formação, por exemplo, de uma linha negra que é o ferro sem carbono, assim como uma área "esfumaçada" de migração de material de um aço pra outro. Lembra da foto do perfil da katana? Este é resultado daquele caldeamento. Um caldeamento "linear" e "bem comportado", mas na minha opinião, LINDO!!! Agora é hora de falarmos um pouco de ARTE...



Arte é a atividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir de percepçãoemoções ideias, com o objetivo de estimular esse interesse de consciência em um ou mais espectadores, e cada obra de arte possui um significado único e diferente.


Antonio Corradini, Italia, 1751 -  “Pudicizia Velata”  - O pudor velado

Ao mostrar essa incomparável Obra  Mestre Corradini, quero chamar a atenção pra arte como expressão do belo, do sublime e do que enaltece o espírito humano. E pra algo que une todos os artistas e artesãos no mundo todo que é a vontade de CRIAR algo único, belo e que desperte admiração. Tudo que se quer é a criação seja vista como ARTE. 


Voltemos agora pra técnica!!!

Matrizes pra Caldeamento - Ferramentas usadas pra imprimir um padrão
em barras de aço damasco
Muito possivelmente, você já deve ter visto lâminas em aço damasco com diversos "padrões". Estas "matrizes" são algumas das ferramentas usadas pra formar esses padrões, através de distorções no interior da barra. Ao proceder ao desbaste, o material, pressionado e distorcido de maneira controlada, revela formas organizadas na lâmina. Esse ferramental só pode ser usado em Prensas hidráulicas. Esta é, na minha opinião, a grande vantagem das prensas sobre os marteletes. Elas possibilitam o uso de uma grande gama de ferramentas. O limite é a imaginação. Aço damasco é um tema que já visitei e pretendo fazê-lo de novo, de forma análoga, trazendo mais informações colhidas a custo de muito trabalho. Mas o nosso foco hoje é o SANMAI.

Bowie de aço Damasco W com padrão Ladder feito por matriz

Do trabalho realizado com o aço Damasco percebi as implicações e possíveis utilizações das matrizes na formação de um "padrão" também nos Sanmai. Como no damasco, a idéia seria criar uma "distorção" uniforme e contralada, de modo a formar uma "imagem" na lâmina, esteticamente agradável. Então, tomando como base peças de Sanmai já caldeadas, como o formato e espessura certos, passei a experimentar neles o uso das mesmas matrizes usadas no aço damasco.

Alguns rabiscos pra se ter uma ideia

Embora seja minha intenção descrever de forma didática, sucinta e leve, os processos descritos, NÃO O É passar a ideia de que é FÁCIL de realizar. NÃO É!!! Tanto o caldeamento de damasco quanto de sanmai, são processos trabalhosos e caros em se tratando materiais, ferramental e tempo dispendido. SE executados incorretamente, qualquer uma das etapas de produção poderá levar a perda de todo o material e trabalho até ali. Com o uso de matrizes não é diferente. É necessário ter domínio da máquina, e conhecimento do processo. UM erro MUITO COMUM no uso de matrizes é desconsiderar a espessura do material que será prensado assim como a força necessária para esse ou aquele processo. Isto pode fazer, por exemplo, que uma bela peça de aço bem caldeado, vire uma panqueca. Gostaria que houvesse um jeito "universal" de evitar essas tragédias. Mas dadas as variáveis, o melhor jeito é a experimentação. Haverá perdas, certamente.

Eu sei... dá uma tristeza...Mas faz parte!!!


 Mas não há outro jeito de conhecer seu equipamento e adquirir as habilidades necessárias. Nesse caso, vale a máxima da minha querida mãe: "Só se aprende a fazer, fazendo.", dizia sempre. Então. Mãos a obra!!!

Peças de Sanmai após a utilização de matriz. Observe a Distorção do núcleo
Ia esquecendo de dois itens bem importantes. Esse processo, cofecção de sanmai ou aço damasco, requer muitas operações de Corte, com material de grande espessura e, muitas vezes ainda, incandecente. Por muito tempo utilizei uma policorte portátil da De Walt, padrão das portáteis. Até que assisti uma postagem do Amigo e MS Eduardo Berardo onde ele recomendava a confecção de uma policorte, especificamente, para trabalhar com cutelaria. Não vou me alongar nesse assunto pois é vasto e este post já ficou maior do que planejei. MAS ADIANTO QUE FOI o melhor investimento que fiz. Essa máquina possibilitou um ganho enorme de produtividade na confecção tanto de damasco, quanto samai e nos demais processos da cutelaria. Recomendo que todos sigam as instruções dele. Não vão se arrepender.
<iframe width="560" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/80Nji5W3YXs" frameborder="0" allow="accelerometer; autoplay; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture" allowfullscreen></iframe> - Parte 1. Assista os demais e construa sua policorte "megazord"


Por fim, após tudo que escrevi...
Gostaria de mostrar o resultado de todos esses processo e conhecimento acumulado que resultaram na criação de um PADRÃO que foi batizado pelo meu querido irmão, Lúcio Serapião como "EM CHAMAS!!!". 



O que distingue esse material de tudo que fiz até agora é o fato dele ser uma junção do que é necessário para se fazer aço damasco com o que é necessário para se ter um bom sanmai  inox/carbono. Era um desejo antigo que, agora, consegui realizar. Ter o necessário, em conhecimento e material para criar esse material com um padrão único.

Uma barra de aço damasco em criação



Caldeie tudo conforme descrito




Use as ferramentas certas e adequadamente de acordo com
a sua visão estética e artística

E CRIE ALGO NOVO...

"EM CHAMAS!!!" - Sanmai de inox com aço damasco by Serapião


Espero que tenham gostado e obrigado por me acompanharem até agora. Foi um prazer.
Se alguém desejar algum esclarecimento, deixo aqui meu número de whatsapp: 
087 999451354

sábado, 23 de janeiro de 2016


FALANDO SOBRE OS DAMASCOS "SIMPLES" DA VIDA e DENTES DE LOBO...



Olá, caríssimos e diletos leitores. Não!!! Você não está enganado!!! Esta é, de fato, uma nova postagem!!! Faz tempo, certamente?!?!!?? Mas é melhor assim.... Certamente hoje posso falar com mais sobre uma coisa ou duas. Espero que apreciem a leitura!!!!

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.- Fernando Pessoa.



ANTES DE MAIS NADA, gostaria de sugerir aos amigos (veementemente, eu diria) que assistam o vídeo abaixo.


Nele, Eduardo Berardo, um dos melhores cuteleiros do Brasil, referência nacional e internacional da cutelaria custom de excelência,  nos propicia uma AULA sobre  AÇO DAMASCO. Após assisti-lo, fica muito mais fácil compreender o assunto que me proponho a abordar com vocês.

A arte de interrogar é bem mais a arte dos mestres do que as dos discípulos; é preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar aquilo que se não sabe.- Jean Jacques Rosseau

Pois Bem... 

 Após esta AULA, é hora de dizer que minha proposta, hoje, é voltada para os INICIANTES EM AÇO DAMASCO ("categoria" na qual eu, modestamente, me incluo sem sombra de dúvida) compartilhando minhas experiências e, porque não dizer, minha filosofia de trabalho na cutelaria custom.



Tenho observado que, mesmo com a profusão de informação  (BOA E RUIM) à disposição, ainda há muitos questionamentos sobre a produção de aço damasco. Tristemente também constatei que vem ocorrendo uma certa "banalização'' deste Material que pode ser visto com o ápice da cutelaria (opinião que não compartilho) e, ainda, que  alguns colegas deixam de aproveitar essa jornada de conhecimento, pulando etapas básicas e fundamentais. Passos  que podem mesmo impedir que se atinja um nível técnico de excelência (que, ACREDITO, deve ser almejado por qualquer cuteleiro). Conhecer e utilizar bem CONCEITOS BÁSICOS é preponderante. Se este preceito for negligenciado, mais que em outros materiais, no damasco as consequências são funestas:

Partes de uma FACA
 É incrível mas há quem pretenda confeccionar aço damasco sem, ao menos, CONHECER os conceitos básicos de uma boa faca.

Como, então, partiremos disto:


A "matéria prima" do Aço Damasco - Um billet de 5160 e 15n20 (foto de Eduardo Berardo)


 Pra ISTO?????

Padrão Turco Spirograph confecionado pelo JS Argentino, professor e amigo, Facundo Montenegro

RESPOSTA??? Com muito, estudo, investimento, dedicação e talento, levará um bom tempo!!! Pra alguns (dentre os quais me incluo) talvez NUNCA!!!


O que ocorre é que, devido à velocidade e propagação das informações, cria-se uma ideia  que trabalhos primorosos como o acima são muito mais fáceis de realizar do o são na verdade.

A simples DESCRIÇÃO desse processo de construção é extenuante. Deve-se ter em mente que produzir aço damasco é DIFÍCIL, TRABALHOSO, TEM UM CUSTO ELEVADO e há padrões de tal complexidade que pouquíssimos Cuteleiros logram êxito em construí-lo.

Por outro lado, tende a ocorrer uma certa desvalorização do damasco "simples".
Não há AÇO DAMASCO SIMPLES!!!O que há é a progressão do DIFÍCIL ao "MEGABLASTERULTRAOGROHARD" (espero que vc tenha captado a ideia...)

Brain Storm à vista??? Calma. Vou começar a demonstrar o meu ponto!!!!


Considerando que você tenha utilizado bem seu tempo e assistido o vídeo  o excelente vídeo do Eduardo Berardo já sabe que o aço damasco é obtido através de CALDEAMENTO, ou MICROFUSÃO DE SUPERFÍCIE de dois ou mais aços de composições químicas diferentes. Há várias possíveis e cada cuteleiro escolhe a que mais lhe convêm. Eu utilizo nos meus damascos o 15n20 e 5160. Até o momento, não tive razões para mudar de receita.
Peças de O1 e 15n20 - foto de Eduardo Berardo
Após as diversas operações de CALDEAMENTOS E DOBRAS SUCESSIVAS o se que tem é uma barra de metais caldeados que, se corretamente produzida, deverá responder ao forjamento, plasticamente falando, como se fosse uma peça de aço puro. Esta é a base pra construção para diversos padrões "simples" de aço damasco.

Alguns Exemplos :


ALEATÓRIO - Bowie de minha autoria

LADDER - Hunter do Eduardo Berardo

TWIST ou torcido (a imagem ilustra muito bem)

RAIN DROP

Padrão DOG STAR - Sendero do MS Jerry Fisk

Padrão WOLF TOOTH - Sendero do MS Jerry Fisk

Padrão Arkansas Breeze - Bowie feita por mim


Estes padrões são tidos como mais SIMPLES. Possuem uma construção linear, em geral partindo-se de uma barra "randômica" com X quantidade de camadas) a qual apresenta um desenho aleatório e bastante "orgânico". Como visto abaixo:

Bowie by MS Jerry Fisk


PRA  construir QUALQUER destes PADRÕES é necessário ter:

CONHECIMENTO TÉCNICO E PRÁTICA CONSOLIDADOS;
EPIS diversos;
LOCAL ADEQUADO;
FORJA QUE ATINJA POR VOLTA DE 1100 GRAUS CENTÍGRADOS;
PRENSA OU MARTELETE;
FERRAMENTAS AUXILIARES como bigorna, tenazes, policorte, guilhotina, esmerilhadeira(s), máquina de solda, dentre outras.
RESISTÊNCIA FÍSICA e BOA SAÚDE.

Como já devem ter percebido, NÃO EXISTE DAMASCO FÁCIL!!!

Vale Salientar, também, que devido às propriedades de construção nos padrões menos complexos, a estrutura resultante é bastante forte propiciando a criação de facas que aliarão o gume incisivo do micro serrilhado com grande resistência mecânica. Acredito que pra facas de uso PESADO os padrões acima descritos são os ideias.

Padrão LADDER - Construção que possibilita o uso em trabalhos pesados



"Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas" - Confúcio






MINHA BOWIE "DENTE DE LOBO"



Inicialmente, e por dever de justiça, gostaria de agradecer aos Amigos e Professores, Ricardo Vilar, Eduardo Berardo e Facundo Montenegro os quais, pacientemente, ajudaram a diminuir a minha galopante e persistente ignorância. A eles o meu Muito Obrigado!!!




Como já foi dito, o padrão "Dente de Lobo" é um padrão "simples" de aço damasco que, além de bonito, julgo muito apropriado para facas de trabalho pesado. Nenhuma delas, pra mim, tem tanto lugar de destaque como as Bowies.  Minha paixão desde sempre...

Não descrevi, pormenorizadamente, cada um dos padrões anteriores pois este não é o foco desta postagem mas as descrições e imagens a seguir mostrarão do que se trata e como fiz essa grande bowie.

Lãmina de Bowie em Aço Damasco (5160 e 15n20) com 256 camadas, forjada a partir de um billet de 11 mm x 4,5 cm

Tendo como ponto de partida uma barra plana de 256 camadas com cerca de 11 mm de espessura, 40 cm de comprimento e 4,5 cm de largura, caldeei utilizando como fonte de calor uma forja à gás revestida de manta refratária e cuja fonte de ar é um SECADOR DE CABELO COMUM. Há muitos questionamentos sobre as características da forja que uso mas é um dispositivo bastante simples. Utilizo dois botijões conjugados, com reguladores de pressão e, na entrada da forja há uma válvula agulha simples. Este equipamento ordinário produz uma quantidade de calor suficiente pra efetuar o caldeamento. Lembro que, diferentemente das operações de forjamento comum, pra damasco A FORJA PRECISA ESTAR MUITO QUENTE!!!

DICAS IMPORTANTES:

  1. DOBRE O COMPRIMENTO INICIAL, CORTE EM DOIS E CALDEIE!!! - Há sempre vários modos de se fazer a mesma coisa.... Contudo, considere que quanto menos tempo esticando a barra a ser dobrada maior serão a economia de trabalho, energia e menor a possibilidade de erros propiciados pela pouca habilidade com o uso do equipamento. Duplicar o comprimento inicial, pode parecer pouco, mas a maior segurança e rapidez do processo compensarão o resultado final.
  2.  TENTE UTILIZAR UM "TAMPA" NA BOCA DA FORJA QUE EVITE A DISSIPAÇÃO DE CALOR PRO MEIO EXTERNO - Observando a forja percebi que aquela "língua de fogo" característica poderia ser melhor aproveitada se direcionada para seu interior. Mas como fazer isso??? A boa e velha GAMBIARRA. Usei cacos de cerâmica refratária como porta e o resultado foi um aquecimento adequado na metade do tempo ou menos ainda. SIMPLES não é??? Pena que não pensei nisso antes (muitos e muitos botijões atrás...)

Como podem ver, a solução pode muito bem ser de "baixa tecnologia"


  FORJEI a faca integralmente utilizando PRENSA HIDRÁULICA.

Prensa Hidráulica de 30 T, ajustada para 15 toneladas

Sempre há muitos questionamentos sobre prensas hidráulicas e, em geral, mais focados na POTÊNCIA que  na VELOCIDADE. Entretanto, A VELOCIDADE deste equipamento é MUITO mais importante que sua força. Quem desejar construir ou adquirir uma prensa hidráulica deve se preocupar, sobremaneira, com os cálculos e dimensionamento tendo em vista a rapidez. Motor, bomba de óleo, pistão e válvula de comando devem ser combinados visando a subida e descida do pistão com boa rapidez. Aproveitar o calor é crucial para um bom caldeamento. Quem tiver dúvidas sobre esta prensa (já há prensas melhores disponíveis no mercado, inclusive) pode visitar uma postagem antiga neste mesmo blog. LEMBRE-SE: Se a prensa for forte mas lenta, o calor será perdido rapidamente e, com ele, o momento correto. Aquela FALHA de caldeamento que vc descobriu após todo o desbaste da sua lãmina, pode ter origem num tempo de operação demasiado da sua prensa ou do pouco calor da sua forja, ou de TUDO ISSO E MAIS ALGUMAS COISAS...



CONSTRUINDO...

Olhe os DENTES do Bichinho!!!!


1. Tracei uma LINHA PARALELA ao dorso nos dois lados da lâmina em estado bruto (com cerca de 11 mm de espessura perpendicularmente a esta, tracei linhas com espaçamento de 1 cm entre elas.



2.Tracei linhas no gume seguindo aquelas do primeiro traçado. Em seguida, no lado oposto, desenhei as linhas perpendiculares à paralela do dorso. Mas de modo alternado.


3.Utilizando uma Esmerilhadeira com um disco de corte pra ferro (com cerca de 3 mm de espessura) fiz os rasgos iniciais que devem tangenciar a linha paralela ao dorso. Em seguida, fiz o mesmo no lado oposto, respeitando o traçado feito;




4. Após finalizar os rasgos nos dois lados é IMPORTANTE NÃO ESQUECER de "QUEBRAR" os cantos dos sulcos, caso contrário, durante o forjamento, eles fecharão e você terá desejo de martelar sua própria mão sobre a bigorna pois desde o caldeamento até o ponto em que vc chegou terá sido um trabalho PERDIDO....



O resultado no gume deverá ser semelhante a um "acordeon" como o visto na foto:


5. O passo seguinte é o FORJAMENTO propriamente dito. Você já deve ter percebido que estes sulcos visam fazer com que o material do interior da lâmina aflore na superfície por compressão. Esta compressão é feita por martelamento onde as faces da faca serão afinadas. Se já fez facas antes deve saber COMO forjar corretamente sua lâmina.É O NIVELAMENTO da superfície das faces da Lãmina que propicia o aparecimento do Padrão Dente de Lobo.
Fique Atento!!! Em cutelaria os acertos não são cumulativos. A cada nova etapa é possível estragar todo o trabalho

 IMPORTANTE:

  1.  TENHA EM MENTE QUE OS "ENTRE CHEIOS" NOS DOIS LADOS DA LÂMINA NÃO PODERÃO COICIDIR SOB PENA DE, DURANTE O FORJAMENTO, FRAGILIZAR A LÂMINA;
  2. TRABALHE COM MEDIDAS DE SOBRA;
  3. O FORJAMENTO NESTA ETAPA É CRUCIAL E PODERÁ POR TODO O TRABALHO A PERDER;
  4. ESTE TIPO DE PADRÃO REQUER UM GRANDE ESFORÇO DE COMPRESSÃO E SUBMETE O MATERIAL A UM GRANDE STRESS. CASO O CALDEAMENTO NÃO TENHA SIDO PERFEITO, CERTAMENTE O DAMASCO ABRIRÁ;
  5.  OBSERVE QUE O "MEIO" DO ACORDEON FORMADO APOS A CONSTRUÇÃO DOS SUCOS É O QUE DÁ A MEDIDA DE SEGURANÇA PARA O SEU FORJAMENTO. TENHA CUIDADO PRA QUE NÃO FIQUE FINO DEMAIS, SENÃO (mão sobre a bigorna, etc...)
  6. NÃO das etapas básicas do forjamento (normalização e recozimento) E FORJE COM CUIDADO;
  7. O AÇO DAMASCO "SIMPLES" é extremamente plástico e maleável. É bom de forjar, mas lembre que se alterar demais as linhas originais, alterá, TAMBÉM o padrão desejado (e ISTO NÃO É NADA BOM!!!)


E SE NÃO DER CERTO????

Não conseguiu fazer o AQUELE padrão??? O randômico é sempre agradável. Só não ceda à tentação de batizar nada... Tenho como regra que se o padrão não é visível à primeira olhada É RANDOM!!!!
 Você já percebeu que, a cada etapa deste processo SINGELO, muitas coisas podem dar errado. De fato pode e, com frequência, dão mesmo. Mas a cada nova peça, tome notas, das características, arranjos, acertos e, principalmente, dos ERROS. Isto poderá fazer com que eles não se repitam. Que venham apenas erros NOVOS!!! 



 DEU CERTO????

Bem, depois desse "trabalho de Hércules" o resultado deverá ser um padrão visual semelhante a dentes a cujo  sugestivo nome "DENTES DE LOBO" alude. Algo assim:

Após o desbaste é feito um banho rápido numa solução de percloreto de ferro forte para visualizar o padrão definido assim como indesejáveis falhas de caldeamento que levariam ao descarte da peça
 
 
Na lâmina se notam a formação dos "dentes" resultantes da compressão dos aços, contrastando com a parte randômica da lâmina
  
 
No random, a compressão do material, resultante do forjamento, também faz parte da beleza do conjunto. Se olharmos bem, o aço fala.

Resultado: uma Lãmina de 11" de comprimento x 8 mm de espessura, com 5,2 na sua parte mais larga.





THAT´S IT!!!!

Meus amigos, longe de esgotar este assunto, meu desejo foi propiciar uma breve reflexão sobre aspectos do aço damasco na cutelaria de excelência, compartilhar minhas experiências e dar algumas dicas que podem facilitar-nos a vida na oficina. Espero que, doravante, possam ver o aço damasco com outros olhos. Se você deseja fazer aço damasco eu, veementemente sugiro, que se aprofunde e aprimore nas riquíssimas facas de aço "carbono" com seus diversos matizes. Pode não parecer mas quanto mais dedicação a cutelaria ANTES do aço damasco, mais rápido será o progresso. Parece um paradoxo, mas não é!!! Se vc já tem um bom nível técnico demonstrado nas suas peças de aço "simples" (lá vou eu de novo...) só precisará APRENDER sobre damasco. Caso contrário... bem, tire suas próprias conclusões.

Uma bela faca de carbono ou damasco. Mas que seja feita com esmero, sempre.


Se chegou até aqui, mais uma vez, agradeço a sua visita e aguardo a sua volta!!!

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Obrigado a todos!!!!