terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tributo a um Cuteleiro Desconhecido

Caros Amigos,

Desta vez quero fazer um registro sobre uma peça que me chegou às mãos pra uma "reforma". Devido a uma série de contratempos somente há poucos dias pude terminar o trabalho.
Por um descuido não fiz fotos da faca como estava antes do trabalho. Por sorte, o atual proprietário tinha tais fotos e posso mostrá-las a vocês. Posteriormente fiquei sabendo que esta peça esteve pra ser jogada no lixo... Uma grande pena seria!!!!





  Ao começar a "reformar" a faca, os seus detalhes me chamaram a atenção!!! Tanto, que resolvi escrever sobre ela e fazer fotos com essas radidades literárias que me foram presenteadas pelo Amigo Roberto Lisboa a quem fico muito grato.

Bem...

Trata-se de uma faca full tang integral, com gavião "puxado" em noventa graus e, ainda, com double taper. Todos termos modernos da cutelaria atual. Dá-se a entender que o autor da peça seja comtemporâneo nosso e extremamente sintonizado com o que se faz hoje em termos de cutelaria e, particularmente, nas "facas integrais". Nessa faca o único indício de sua "idade" é a ponta com um clip e formato de lâmina bem característico das Adagas Mediterrâneas nas quais, eu creio, o forjador se inspirou.
Do criador desta faca apenas sei da sua marca que, apesar da oxidação em que se encontrava, procurei preservar:
 Quem já forjou integrais sabe como é difícil e quanta habilidade requer "puxar" um gavião em 90 graus. Some-se a isso se full tang (onde a silhueta do cabo é composta por metal) e também a presença de double taper (onde tanto a lâmina quanto a tang afinam progressivamente em direção às respectivas pontas). Em resumo, é uma faca das mais difíceis de fazer, em termos de forjamento.
Procurei saber a "idade" dessa peça junto ao seu proprietário que, desafortunadamente, já a recebeu de outra pessoa e esta de um terceiro. Ninguém soube precisar a época da sua fabricação. No passado alguma manuntenção espúria juntou aço na parte da tang alijando a peça do seu formato original. Tive que improvisar pra dar um formato que achei que caberia com este tipo de faca.
Como o dono pediu pra que a peça fosse "reformada" pra lida optei por usar parafusos de aperto rápido aliados com talas de jacarandá da bahia. Este sistema tem a vantagem se ser possível utilizar outro par de talas. Basta folgar os parafusos e fabricar um novo par e fixá-los novamente, dando uma roupagem "nova" à peça.

Outra questão que me causou espécie foi o fato dessa lâmina ter sido feito com "têmpera seletiva" e apresentar um desenho "flamejado" em parte da lâmina. Apesar de ser um conhecimento antigo visto principalmente em espadas japonesas, modernamente a têmpera seletiva com argila é um item de muito requinte na cutelaria custom. O terço anterior (perto do gavião) é mais espesso que o restante da lâmina e não tem têmpera. Creio que isto se deva ao "costume" de usar esta parte da faca pra cortes mais pesados e o restante pros mais delicados. Pelo requinte da peça, acho que o cuteleiro deixou esta parte deliberadamente mais "macia" visando usá-la pros golpes mais fortes em material resistente onde seria preferível amassar o gume que quebrá-lo.
Em resumo... o que seria apenas uma reforma foi uma "aula" de cutelaria ancestral onde se demonstra que
as nossas raízes neste ofício vem de longe.... muito longe. Nume peça tão antiga e "desvalorizada" encontram-se elementos que, mesmo hoje, a classificariam como uma ótima faca integral, modernamente falando.
Têmpera seletiva, double taper, integral full tang são termos técnicos estudados extensivamente nos dias de hoje e suas aplicações ainda geram controvérsias de implementação e uso. Não são técnicas fáceis de dominar.
Felizmente, os Mestres Cuteleiros que vieram antes de nós, mesmo sem todo o arsenal de ciência e tecnologia de agora, tinham então, a habilidade e experiência que hoje nos faz tanta falta...
Fico extremamente feliz que esta peça tenha me chegado às mãos pois trouxe ecos de um passado onde homens habilidosos sabiam exatamente o que fazer com suas forjas, bigornas e martelos. Eles nos deixaram um legado indelével que, mesmo em partes de quebra-cabeças, nos indica o que um artesão pode produzir imbuido do espírito da Arte.

Então,
ao final,
eu, Serapião de Garanhuns,
sutentando uma fé inabalável na sobrevivência da alma;
Saúdo o cuteleiro "B", onde quer que esteja,
por ter deixado pra nós este belo trabalho!!!
Desejo que, num distante futuro,
algúem possa encontrar uma de minhas peças
e admirá-la como também o fiz com a sua.
Que assim seja!!!





Aos amigos,
Obrigado por lerem! 




quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Novos Tomahawks - Hammer Tomahawk e um "Vicking Hawk"

Caros Amigos,

Peço desculpas pela ausência prolongada. Mas recetemente meu pai se submeteu a uma cirurgia coronária e fomos dar uma força a ele em Recife. Tive que passar mais de uma dezena de dias fora da sede. Ao voltar pra casa sempre há  uma série de problemas pra resolver... Então o trabalho de cutelaria ficou um pouco mais assoberbado do que o normal (que já é bastante).
Mas enfim... vamos às novidades por agora.
Na verdade já exibi essas peças no orkut sem, contudo, por nenhum detalhe dos projetos.

Trata-se de dois "tomahawks" novos bastante diversos em desenho, construção e acabamento. Só pra lembrar o termo "tomahawk" originalmente referia-se a uma arma usada pelos índios americanos que era semelhante a uma "maça" de pedra-polida. Este era um dos principais itens do arsenal indígena nos combates corpo-a-corpo.
Com a chegada dos "colonizadores" vieram tbm diversos machados de aço forjado que, logo, cairam no gosto dos nativos pelas suas características superiores em relação ao "tomahawk" original (de pedra). Como o uso em combate de uma maça de pedra é bem parecido com o que se pode fazer com um machado pequeno, os índios adotaram o termo "tomahawk" pra designar, tbm, essas ferramentas. Então, se algum índio portava um machado este era, invariavelmente, chamado de "tomahawk". Por isso há uma grande diversidade no que concerne ao tema. Peças bem diversas podem ser chamadas de "tomahawks".

Então:

A primeira peça é um "tomahawk" de formato mais tradicional (pelo menos o que eu entendo como sendo "tradicional"). Foi forjado de um martelo bola da tramontina e gerou um "hammer-tomahawk" (na extremidade oposta ao machado há um martelo). Obviamente é uma peça que possibilita vários usos....
A "cabeça" do machado foi temperada integralmente, posteriormente, foi feito o revenimento.
Há quem pense que pelo fato de ter sido "reciclado" de um martelo bola é um trabalho fácil. Nao é! É bem mais difícil forjar uma peça assim que uma faca, por exemplo. O olhal pré-existente tem que ser alargado pois o original é "fino" demais. Essa operação de alargar o olhal é impossível de ser feita por apenas uma pessoa. A menos, claro, que você seja o "Quatro-Braços".... As duas extremidades tem que ficar perfeitamente alinhadas  e perpendiculares ao Cabo... Ainda acho muito difícil esse trabalho... Talvez lá pelo trigésimo tomahawk eu passe a achar mais fácil... Nada há como a prática!!!

Além do acabamento polido, optei por fazer um file work no "dorso" do machado. É algo que tentarei manter daki pra frente pois além de embelzar tem-se a possibilidade de fazer um tipo de file work pra cada peça... Outra "novidade" foi a adoção de um pino transversal. Adotei essa prática pois, nos meus martelos de forjar, o único que não "saiu" do cabo foi o martelo que usava um sistema similar. Então... O machado é fixado no cabo por cima, sob pressão e com resina epóxi (araldite 24 h) depois é posto de lado a lado esse pino com cabeça arredondada (a cabeça "arredondada" é apenas pra efeito estético)


Por último, a madeira escolhida pra compor o conjunto foi uma linda guajuvira, extremamente desenhada,  tratada, por alguns dias, com óleo de linhaça posteriormente ao polimento usual com lixas. Este cago tem aproximadamente 45 cm.
Como último detalhe fiz a adição de um fiel de curo de bode trançado no qual foi feito um "nó-de-forca" pra não ser necessário furar essa bela madeira.







A outro é bem diferente do que normalmente faço, em construção, desenho e acabamento. Este é um machado leve, com designe caracteristicamente europeu (vicking, eu diria).
Foi feito a partir de uma pedaço de 5160 que foi forjado e caldeado pra forjar o olhal. Estive olhando machados antigos e pude perceber que diversos foram feitos por caldeamento.... Resolvi testar e funcionou.
Como tudo era novidade, resolvi fazer um look mais rústico, deixando a peça com um visual "brut di forge" e oxidada a frio (oxiblack)
Há quem pense que peças assim (brut di forge) são "mal-acabadas". Não é assim!!! Pra se fazer corretamente a peça tem que sair praticamente pronta da forja ou, pelo menos, voltar a receber calor algumas vezes. Eu uso um pequeno martelo bola pra "marcar" o aço dessa maneira e dar um "padrão". A "cabeça" do machado foi, também, fixada por cima do cabo, sob pressão, com resina e recebeu um pino tranversal.
O Cabo, de cerca de 35 cm,  foi feito "em curva" no aspecto tradicional dos machados grandes pra corte de madeira. A madeira escolhida foi o angelim pedra que, embora não seja tão belo como a guajuvira, é extremamente resistente. Também foi tratado com óleo de linhaça.
Então creio que o resultado foi um pouco diferente do que geralmente faço mas bastante interessante.
Se fosse usado por um índio americano seria uma tomahawk. Se usado por um guerreiro vicking seria um "vicking axe"... Você decide, na verdade, como quer chamá-lo. Eu gosto do termo "Vicking Hawk" na falta de algo mais apropriado.
Pra termos de comparação, eis os dois machados juntos:

Espero que tenham gostado de post e peço desculpas se me alonguei demais.
Um abraço a todos e voltem sempre.